terça-feira, 27 de setembro de 2011

NOTAS SOBRE O V CINEPORT - Festival Internacional de Cinema dos países de língua portuguesa

Infelizmente não assisti muitos filmes, pois semana passada peguei uma virose ou infecção intestinal que seja (só para citar uma anedota bem sutil: na hora da premiação tive que correr ao banheiro, não que perdi muita coisa, pelo menos pelo que me concerne!) e juntamente com algumas obrigações (meu filho e meu penúltimo semestre na UFCG), isso fez com que só participei como espectador na terça (20/9) e no sábado (24/9).

Não é minha intenção falar do documentário com o qual participei da competição "Prêmio Energisa" no V Cineport, mas como não tivemos maneira de apresentar os nossos filmes (embora claro, cinema fala por si só!), é útil salientar que "Barras e barreiras, retrato de Kelly Alves" é um documentário de retrato sobre a trans-sexual Kelly, de Campina, e trata-se de uma produção independente no verdadeiro sentido da palavra. Hoje está até na moda falar de produções independentes, mas creiam que quem produz sem apoios, sem patrocínios, sem ajuda até mesmo de outros independentes, ficaria extremamente feliz de sair desta moda, que tanto nos faz suar e pouco nos gratifica (até porque infelizmente o cinema é uma arte cara, pois competir com quem realizou com 10, 20, 50 mil R$ ou mais ainda não dá muitas chances para demonstrar quem é quem, e creiam, não são palavras de frustrado!!!!!Apenas é uma questão de lógica!). 

Há quem faça com pouco, agora fazer com zero é FODA, não tenho muito mais para salientar! 

Contudo, dá muita satisfação saborear, se não prêmios (não tenho QI, minha gente, aliás, nunca tive e acho que não terei o "prazer" de ter!!!!Triste que o meu amado CINEMA costume "premiar" só os mais inteligentes!!!!Foi por isso que, com a boca amargando, cheguei neste país e resolvi me debruçar sobre as Ciências Sociais...), quanto menos seleções em senhores festivais como aqueles nos quais participei este ano (É tudo verdade, In-edit Brasil, Cinesul, VI Rassegna Brasil Cinema Contemporâneo, na Itália) e também em anos passados. Ficando em tema e concluindo esta introdução-desabafo, "Barras e Barreiras, retrato de Kelly Alves", para além do V Cineport, este ano participou do VIII Cine Documenta (MG, maio 2011), do III Festival do filme etnográfico do Recife (mostra paralela, PE, setembro 2011) e vai participar, com mais 46 filmes latino-americanos, entre curtas, média, longas, de ficção e documentários, da VI Mostra de Cinema e Direitos Humanos, grande evento que vai levar o filme para todas as capitais federais (de 10/10 até 1/12/2011), Brasília e ainda numa itinerância mundial até dezembro 2012. Evidentemente há coisas que valem mais do que certos "prêmios"...

Dito isso, vamos passar aos filmes de colegas que assisti no âmbito do V Cineport e que mais me impressionaram.

Terça feira (dia 20/9) tive o prazer de constatar que o documentário paraibano está crescendo tanto em termos de número como de qualidade. Pela tarde assisti com admiração ao olhar, não sei se particular, mas bem minimalista de Paulo Roberto, de Nazarezinho. Conheci Paulo no Fest Aruanda em 2009, quando me passou uma cópia do documentário que tinha apresentado naquela edição do festival (e que ganhou melhor roteiro): "Lá trás da Serra". 
Lá trás da Serra deixava intuir as potencialidades de Paulo e fiquei bem feliz em confirmar as mesmas neste novo filme: "Olhar particular". Se a fotografia do Sr. J.C.Beltrão com certeza ajuda o filme a ganhar pontos preciosos, apreciei a segurança com a qual o Paulo lapidou sua história documental resumindo-a ao mínimo indispensável, se permitindo deixar a câmera se mover apenas no final, com um movimento de “Dolly” em “plongée” (olho de Deus) que inclusive não deixa de ser discreto. Simplicidade e ótima técnica são os destaques do filme.
Continuando com a sessão da tarde de DOC do Prêmio Energisa (cheguei um pouco atrasado e o primeiro que assisti foi "Erwartung, as moças do Cabo Branco") considero digno de destaque o filme "No meu pé de parede", documentário mais "televisivo", do tipo "talking heads" (muitos depoimentos, gente falando) sem grandes pretensões artísticas, mas que bem destaca, através de forrozeiros paraibanos (principalmente campinenses), o sentimento e as reações de músicos fiéis à raiz deste valioso gênero musical, perante o "boom" comercial do chamado "Forró de plástico" ou "pornográfico", conforme os próprios depoentes colocam no documentário.
O filme "Sobre vidas" também pode ser considerado destaque pela(s) história(s) que retrata, pelo seu valor sócio-cultural, pelo fato de levar o espectador para uma realidade que a maioria das pessoas desconhecem, principalmente, como dizer, de PERTO!Contudo trata-se, hoje de um tema já abordado por cineastas do calibre de Jorge Furtado, Eduardo Coutinho e Marcos Prado, que com “Estamira” fez desistir qualquer cineasta de se debruçar sobre o tema, isso simplesmente por ter ARRASADO, com uma história única, contada de maneira genial (pelo que entendi o filme nasceu em termos estruturais em fase de edição) e com uma fotografia de fazer arrepiar. Quanto ao contexto paraibano, Taciano Valério já tinha produzido um documentário sobre o lixão de Campina Grande, o que tecnicamente pode ser considerado bastante superior a "Sobre Vidas", que porém, não deixa de ser um filme interessante, inclusive por mostrar o contexto peculiar do "lixão" de Patos.

Na sessão das 18 horas, fiquei surpreendido com a classe demonstrada por Gian Orsini na doc-ficção "Irmãs". É belo ver colegas crescerem como realizadores e Gian, da época da modesta encenação de estupro de "Sonata", passou para bem outra categoria (inclusive segundo minha modesta opinião deveria ter sido premiado, mas isso leva para outra sugestão que me permito dar aos senhores curadores do Cineport: se quiserem estimular o cinema paraibano, no mínimo dividam o prêmio Energisa entre Documentário e Ficção, e se quiserem melhorar ainda mais a situação, instituam as demais categorias de premiação inerentes ao prêmio Andorinha no âmbito do "Energisa": melhor fotografia, montagem, roteiro, etc, isso nas duas categorias sugeridas acima, doc e ficção). "Irmãs" merece elogios, antes do que mais nada, pela história contada. Jean Rouch dizia: "conte uma história", e o Gian em seu documentário conta uma história extremamente interessante. Ou seja, "só" o fato de ter descoberto o que mostrou neste belo documentário, é um ponto a favor, pois contribui para com a valorização do gênero, que no lugar comum com freqüência é tido como algo "chato", monótono, anti-narrativo. "Irmãs" associa uma boa estrutura narrativa com uma boa representação em termos de recursos imagéticos, e ainda valoriza o panorama  ameno da cidade de Areia (PB). Ainda, dosa com certo equilíbrio recursos de linguagem meramente documental, com outros peculiares do cinema de ficção, o que confirma, mais uma vez, as considerações de Sílvio Da-Rin em "O espelho partido", assim como aquelas de Jorge Furtado e Eduardo Coutinho no texto "O filme do real" (org. Amir Labaki), quanto à natureza não antagônica do cinema documentário e aquele de ficção. O fato é saber dosar e Gian Orsini em "Irmãs" o faz de maneira excelente.
Outro filme que merece destaque é "O diário de Márcia" do Prof. Bertand Lira (Pós-Graduação em Comunicação Social, UFPB), quem propõe um retrato de uma trans-sexual, Márcia, e o interessante é que o filme, em sua linguagem audiovisual, sua técnica, sua estrutura narrativa, enfatiza a personalidade excêntrica (e genuinamente “brega”, no bom sentido, claro! No sentido da música brega DA BOA, porque nem todo brega é brega no sentido que alguns pretendem reduzir este gênero que, antes do que mais nada, representa uma atitude, um sentimento, uma postura) da protagonista. Como escrevi acima, não é minha intenção comentar sobre o meu documentário "Barras e barreiras, retrato de Kelly Alves", mas neste momento me parece impossível não colocar pelo menos uma breve reflexão, no que se refere justamente à questão da personalidade do sujeito principal, Kelly, no caso do meu filme, e Márcia, no caso do filme de Bertrand. Nem me interessa nem cabe a mim comparar a qualidade dos dois documentários (o que deveria passar também por considerações sobre o "budget", a produção etc, mas isso como acabei de escrever, não é o meu objetivo, inclusive com Bertrand Lira, sobre cinema, só tenho a aprender!), apenas fazer notar que tanto Márcia acaba impregnando a técnica do filme com sua personalidade, assim como Kelly influencia a linguagem (mais discreta) que utilizei em meu filme. É só.
"O diário de Márcia" é um ótimo olhar documental, bastante experimental, sobre o universo de Márcia, e consegue se conter em 20 minutos de duração (coisa que eu não consegui absolutamente fazer em "Barras e barreiras"!!!!). Gostei de "O senhor de engenho", admirei "Homens" e a originalidade da escolha dos sujeitos do filme, mas acredito que "O diário de Márcia" alcance uma qualidade superior, o que confirma que até os mais experientes entre os cineastas paraibanos estão numa fase de evolução, e quem ganha, evidentemente, é o "cinema made in PB" (pena que as autoridades e os empresários locais não contribuam minimamente neste sentido).
“Least but not last”, como dizem neste mesmo continente, mas um pouco mais pra cima...tive o prazer de "saborear" um filme que fazia tempo estava literalmente doido para assistir, o de Chico Sales: "Uma ciência encantada". Porque estava doido para assistir? Porque apesar de meu status modesto de graduando, adoro a Antropologia Fílmica e os filmes etnográficos (costumo consumir inúmeros na frente da tela de meu PC!). Resultado? Adorei "uma ciência encantada" e vale o mesmo discurso que fiz (acima) sobre o filme do Gian Orsini: ótima pesquisa, ótima busca, ótima história, que pessoalmente desconhecia. Aliás, após ter assistido "Jurema, raízes etéreas" (2005), do amigo (hoje Doutor em Antropologia pela UFSC) Marcos Alexandre Albuquerque, fiquei com uma vontade danada de fazer um filme sobre algum ritual "juremeiro", mas desisti, pois pensei ter que viajar muito, pelo menos até ao interior de Pernambuco. Portanto quando assisti "Uma ciência encantada" pensei o que todo mundo pensa quando assiste algo que gostaria ter produzido: "Êta seu #@@@#..."!! Mas obviamente é um "Êta seu #@@#...!" repleto de respeito, ou seja, um elogio, e não uma esculhambação. Bravo Chico Sales, bela história, bela relação com os sujeitos (isso eu senti, quer dizer, se percebe, e claro, dá pontos a mais para um filme como o seu, de fato etnográfico, ao menos em sua temática) e também, apreciei o recurso imagético à textura tipo película estragada (ou por aí) que bem dosado, não incomoda e torna-se peculiaridade do filme. 
 
Sábado (24/9) tive a honra de conhecer cineastas de Cabo Verde. Embora historicamente caboverdianos e angolanos não sejam bem o que se pode considerar de "melhor amigos" e embora minha mãe seja angolana...e ainda, embora eu notifiquei logo isso para eles, o negócio não acabou em porrada, e sim em troca de contatos!
Assisti com muita atenção e muito prazer a curtas experimentais, documentários e filmes de ficção, e entre os vários destaca-se, em minha opinião, o cinema do amigo César Schofield, eclético em seu olhar, nas histórias (e estórias) narradas e na técnica utilizada, que vai de recursos de vídeo-dança para certa postura de documentário clássico, e ainda, vídeo-clipe. Adorei "Katharzis", isso sim um filme que encena um estupro de forma bem competente, e ao mesmo tempo experimental, solta, livre. Mas principalmente adorei "Pólen", que logo considerei um filme documentário etnográfico de ótima qualidade, e conversando com César confirmei minha intuição, pois o colega me contou que teve a sorte de ter acesso a lugares que até "eles" (caboverdianos) normalmente desconhecem: os guetos, as favelas onde o hip-hop torna-se mais de um estilo de vida, assumindo os traços e os valores próprios de uma verdadeira cultura.
Que o Cineport possa voltar em 2013, com uma nova safra de produções lusófonas, em quantidade e principalmente, qualidade, assim como foi nesta edição. E que, como aconselhei acima, o cinema paraibano possa ser realmente estimulado (é bom se enfatizar o fato de que os mineiros do Cineport venham valorizam quem por aqui mesmo não é valorizado, nem estimulado de forma alguma, nem pela política local, nem por empreendedores ou entidades representantes destas categorias, apesar da gente se desdobrar produzindo sem recursos e apesar disso, representar o estado em festivais nacionais e até mesmo internacionais; enquanto no Brasil todo, desde 2002 há possibilidades, recursos e incentivos para as produções audiovisuais independentes...), aumentando os reconhecimentos e as premiações, e atribuindo menções para as diversas funções técnicas e autorais, assim como para os atores e as atrizes que, após de sete anos nestes arredores, me permito chamar "da terra". 

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